domingo, 28 de outubro de 2018

rosé wines


 Da ignorância à paixão



Esta costuma ser a trilha dos que se iniciam em vinhos rosés. Comigo não foi diferente. Minha iniciação autodidata em terras lusas me deixou tão fascinada por tourigas e alvarinhos que simplesmente não desenvolvi o paladar para a delicadeza dos rosés. E isto apesar de Portugal ostentar belíssimos vinhos rosados!



Muito do meu preconceito vinha dos dois primeiros sensos comuns bastante errôneos sobre rosés. Primeiro, que eram fruto da tentativa de “conserto" de um vinho tinto inferior. Segundo e pior, de que a uva tinta disponível resultaria em um vinho tinto de baixa qualidade, então o produtor a usaria para rosé. O bom da santa ignorância da juventude é que, na maioria dos casos, ela passa! Hoje me proclamo apaixonada por vários estilos de rosés (não todos, claro!) e pelas harmonizações exóticas que somente eles podem nos proporcionar.

Simples e delicioso: um rosé recolorindo a truta fresquinha 
 de San Candido, em Innichen, ao sul do Tyrol (Itália 2016)


Da rosa à ametista, do salmão ao púrpura, do bebê ao pink



Sim, todas as nuances de cor-de rosa são possíveis, embora a graduação mais comum varie do salmão  pálido ao púrpura intenso. Tem até vinho verde rosé (que continua sendo rosado), mas não pense que um vinho é rosé só por causa de sua cor. O que caracteriza esta classe de vinhos é o método de vinificação, a cor é apenas uma adorável consequência.



Os vinhos “alaranjados” (ou “âmbar” como pedem os seus abnegados produtores) tão  confundidos com rosés, por exemplo, são na verdade os “anti-rosé”, já que seu método de vinificação é “inverso” - as peles de uvas brancas são mantidas. Na maioria dos rosés, as peles de uvas tintas são removidas após algumas horas. Portanto, a cor será tão mais intensa quanto maior o tempo de contato do mosto com a pele da uva. Mas existem outras formas de se chegar a um belo rosé.

Harmonização perfeita: uma boa viagem, uma doce amiga e um divino rosé

Separar ou misturar?


Dentre as formas de vinificar um rosé, a maneira ancestral do corte de uvas (ou assemblage) é a mais rara atualmente, pois mistura castas  brancas e tintas durante a fermentação, o que dificulta o controle do processo e gera resultados muito pouco confiáveis.



No método de “prensagem direta”, típico e quase exclusivo da Provence, as uvas tintas são vinificadas da mesma forma do vinho branco, isto é, depois do desengace as cascas são removidas na prensagem. Deste brevíssimo contato extrai-se um pequeno percentual de cor, obtendo-se um rosé de tonalidade clara e delicada.


No Vale do Napa, os californianos costumam optar pela saignée (sangria), uma drenagem de cerca de 10% do suco das uvas tintas em fermentação, enquanto o restante permanece em contato pelicular (mosto com películas). Na sangria, portanto, o rosé é basicamente um subproduto do vinho tinto.


Já na vinificação em rosado se pratica um “meio termo” entre tinto e branco, pois há maceração com cascas, mas em curtíssimo tempo. O período de contato peculiar das uvas tintas com o mosto dura de 6 a 24 horas em média sob temperaturas frias e bem controladas. Obtida a cor desejada, o líquido é separado dos sólidos e continua-se a fermentação como nos brancos.

 

Qual o melhor método? Tudo depende do enólogo e de seu talento para administrar o processo, pois uma vez vinificado, o que realmente importará será o resultado obtido e não como o vinho foi feito.



 
Primavera merece flores em todo lugar...inclusive na taça! (Itália 2016)



Uvas variadas e quatro estilos



Hoje, mais do que um nicho de mercado, os rosés são uma crescente tendência internacional. No sul da França, o rosé representa a milenar joie de vivre local, tendo sido na década de 50 o vinho mais apreciado do país. Tornaram-se também populares na América Latina e na Europa, sobretudo nos países mediterrâneos por sua leveza, que aliada a um sabor levemente tânico, os adequam muito bem ao clima e à culinária destas regiões. Nas cozinhas orientais, traduzem a harmonização mais fácil e certeira. Graças a um mercado cada vez mais receptivo, hoje podemos encontrar nas prateleiras tupiniquins uma miríade de cores e paladares. Salve a globalização!



Quando se trata de rosé, não dá para se guiar muito pela casta. Apesar de tintas como Pinot Noir, Merlot, Cabernet Sauvignon, Cinsault, Sangiovese, Carignan e Syrah, ou brancas como a Chardonnay, serem as mais usadas, é possível fazer rosés de uvas muito diversas. Para não se perder neste mundo cor-de-rosa, na hora de escolher vale ter em mente os quatro estilos basicões de quase todos os vinhos: Elegante e Frutado, Elegante e Saboroso, Encorpado e Frutado,  Encorpado e Saboroso. Lembrando que aqui “saboroso” significa um pouco menos fruta e um pouco mais de complexidade. Poderíamos considerar ainda um quinto estilo, de Barricados, porém bem mais raros em termos de rosés. Os dois primeiros estilos, elegantes e delicados, podem ser vinhos de plaisir (prazer), para se beber contemplativamente. Já os mais encorpados são vinhos de repas, expressão francesa para a vinhos que acompanham bem uma refeição.



Rosés vêm prontinhos para serem apreciados, não se sugere guarda para estas preciosidades. Em geral tem ótima relação custo benefício, então beba bem feliz, em qualquer estação! E se algum neandertal próximo ousar mencionar o terceiro e detestável senso comum errôneo sobre o rosé – “um vinho feito para mulheres” – sempre se pode elegantemente retrucar “óbvio, já que elas possuem um paladar mais desenvolvido”. Ah, como adoro as pesquisas científicas... e como amo rosés!

Vale a Leitura:


 
Pesquisa, Texto e Fotos: Deborah Villas-Bôas Dadalt

@trilhasdovinho
#TrilhasDoVinho