Da
ignorância à paixão
Esta costuma ser a trilha
dos que se iniciam em vinhos rosés. Comigo não foi diferente. Minha iniciação
autodidata em terras lusas me deixou tão fascinada por tourigas e alvarinhos
que simplesmente não desenvolvi o paladar para a delicadeza dos rosés. E isto
apesar de Portugal ostentar belíssimos vinhos rosados!
Muito do meu preconceito
vinha dos dois primeiros sensos comuns bastante errôneos sobre rosés. Primeiro,
que eram fruto da tentativa de “conserto" de um vinho tinto inferior. Segundo
e pior, de que a uva tinta disponível resultaria em um vinho tinto de baixa
qualidade, então o produtor a usaria para rosé. O bom da santa ignorância da
juventude é que, na maioria dos casos, ela passa! Hoje me proclamo apaixonada
por vários estilos de rosés (não todos, claro!) e pelas harmonizações exóticas
que somente eles podem nos proporcionar.
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Simples e delicioso: um
rosé recolorindo a truta fresquinha
de San Candido, em Innichen, ao sul do Tyrol (Itália 2016) |
Da
rosa à ametista, do salmão ao púrpura, do bebê ao pink
Sim, todas as nuances de cor-de
rosa são possíveis, embora a graduação mais comum varie do salmão pálido ao púrpura intenso. Tem até vinho
verde rosé (que continua sendo rosado), mas não pense que um vinho é rosé só por
causa de sua cor. O que caracteriza esta classe de vinhos é o método de
vinificação, a cor é apenas uma adorável consequência.
Os vinhos “alaranjados”
(ou “âmbar” como pedem os seus abnegados produtores) tão confundidos com rosés, por exemplo, são na
verdade os “anti-rosé”, já que seu método de vinificação é “inverso” - as peles
de uvas brancas são mantidas. Na maioria dos rosés, as peles
de uvas tintas são removidas após algumas horas. Portanto,
a cor será tão mais intensa quanto maior o tempo de contato do mosto com a pele
da uva. Mas existem outras formas de se chegar a um belo rosé.
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Harmonização perfeita: uma boa viagem, uma
doce amiga e um divino rosé
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Dentre as formas de vinificar um rosé, a maneira ancestral do corte de uvas (ou assemblage) é a mais rara atualmente, pois mistura castas brancas e tintas durante a
fermentação, o que dificulta o controle do
processo e gera resultados muito pouco confiáveis.
No método de “prensagem
direta”, típico e quase exclusivo da Provence, as uvas tintas são vinificadas da mesma forma do vinho branco, isto é,
depois do desengace as cascas são removidas na prensagem. Deste brevíssimo
contato extrai-se um pequeno percentual de cor, obtendo-se um rosé de
tonalidade clara e delicada.
No Vale do Napa, os californianos costumam optar
pela saignée (sangria), uma drenagem de cerca de 10% do suco das uvas
tintas em fermentação, enquanto o restante permanece em contato
pelicular (mosto com películas). Na sangria, portanto, o rosé é basicamente um
subproduto do vinho tinto.
Já na vinificação em rosado se pratica um “meio termo” entre tinto e branco, pois há maceração com cascas, mas em
curtíssimo tempo. O período de contato peculiar
das uvas tintas com o mosto dura de 6 a
24 horas em média sob temperaturas frias e bem controladas. Obtida a cor
desejada, o líquido é separado dos sólidos e continua-se a fermentação como nos
brancos.
Qual o melhor método? Tudo depende do enólogo
e de seu talento para administrar o processo, pois uma vez vinificado, o que
realmente importará será o resultado obtido e não como o vinho foi feito.
Uvas
variadas e quatro estilos
Hoje,
mais do que um nicho de mercado, os rosés são uma crescente tendência
internacional. No
sul da França, o rosé representa a milenar joie
de vivre local, tendo sido na década de 50 o vinho mais apreciado do país. Tornaram-se também populares na América Latina e na
Europa, sobretudo nos países mediterrâneos por sua leveza, que aliada a um
sabor levemente tânico, os adequam muito bem ao clima e à culinária destas
regiões. Nas cozinhas orientais, traduzem a harmonização mais fácil e certeira.
Graças a um mercado cada vez mais receptivo, hoje podemos encontrar nas
prateleiras tupiniquins uma miríade de cores e paladares. Salve a globalização!
Quando
se trata de rosé, não dá para se guiar muito pela casta. Apesar de tintas como Pinot Noir, Merlot, Cabernet Sauvignon, Cinsault,
Sangiovese, Carignan e Syrah, ou brancas como a Chardonnay, serem as mais
usadas, é possível fazer rosés de uvas muito diversas. Para não se perder neste mundo cor-de-rosa, na
hora de escolher vale ter em mente os quatro estilos basicões de quase todos os
vinhos: Elegante e Frutado,
Elegante e Saboroso, Encorpado e Frutado,
Encorpado e Saboroso. Lembrando que aqui “saboroso” significa um pouco menos
fruta e um pouco mais de complexidade. Poderíamos considerar ainda um quinto
estilo, de Barricados, porém bem mais raros em termos de rosés. Os dois
primeiros estilos, elegantes e delicados, podem ser vinhos de plaisir (prazer), para se beber
contemplativamente. Já os mais encorpados são vinhos de repas, expressão francesa para a vinhos que acompanham bem uma refeição.
Rosés vêm prontinhos para
serem apreciados, não se sugere guarda para estas preciosidades. Em geral tem
ótima relação custo benefício, então beba bem feliz, em qualquer estação! E se
algum neandertal próximo ousar mencionar o terceiro e detestável senso comum
errôneo sobre o rosé – “um vinho feito para mulheres” – sempre se pode elegantemente
retrucar “óbvio, já que elas possuem um paladar mais desenvolvido”. Ah, como
adoro as pesquisas científicas... e como amo rosés!
Vale a Leitura:
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Pesquisa,
Texto e Fotos: Deborah Villas-Bôas Dadalt
@trilhasdovinho
#TrilhasDoVinho




